uH!

O blog

Tequila com morango. Simples assim.
Você leva a sério, mas só até certo ponto.

E na ressaca da manhã seguinte.

It'sa me, Mario!

- a seguir, adjetivos aleatórios que deveriam me definir -
1) ruiva, canhota, nortista.
2) publicitária, irônica, nerd.
3) aleatória, roxa, nexialista.
escolha seus preferidos.

Eu gosto do Batman, mas sou mesmo o Coringa.

Carta aberta a Leontina

Cara Leontina,

Ia começar dizendo que você não me conhece, mas isso é parcialmente mentira. Você me conheceu um dia, assim como eu te conheci: anos atrás, apenas superficialmente, no colégio.

Estudamos juntas por alguns anos, convivíamos bem, apesar das nossas diferenças, mas nunca fomos amigas próximas. Nem amigas distantes, pra falar bem a verdade. A verdade, Leontina, é que, na época, não gostava de você. Nem um pouco.

Não que isso vá fazer diferença na sua vida. Hoje ou mesmo naquela época. Mas hoje me peguei pensando em você - e em como não gostava de você - e o passar dos anos e das experiências, me fez ver as coisas em perspectiva.

Ah, a adolescência. Culpar os hormônios e as variações de humor e tudo “ser muito mais intenso” é fácil. Eu poderia dizer que era isso. Mas não era só isso.

Era o ambiente.
Aquele ambiente tóxico, degradante, desagradável.
Mas você, Leontina, era imune a tudo isso. Você estava lá sempre linda, incólume, inteligente, estudiosa, com todos os trabalhos e o cabelo feito às 7h15 da manhã enquanto eu era uma bagunça. Uma bagunça ainda maior do que a que eu sou hoje, que aprendi um truque ou dois e a domar meu cabelo vermelho rebelde.
E eu não gostava de você por isso.

Na minha cabeça de adolescente patinho feio, rechaçada, sem amigos, com QI acima da média mas disposição abaixo do tolerado, com meus tantos livros e quilos a mais, a culpa era sua. Você era tudo que eu queria ser e acreditava que jamais conseguiria ser.

É engraçado como a gente é tão inteligente pra umas coisas e tão burra pra outras, né? Perspectiva.

Mas eu não sabia disso durante todos os anos que estudamos juntas, Leontina, e é por isso que eu não gostava de você. Eu acreditava, cegamente, que se eu fosse como você, as coisas seriam bem mais fáceis. Eu teria amigos, as pessoas ririam comigo e não de mim, eu não seria apontada e nem motivo de escárnio.

Um dos maiores problemas de ter ansiedade é ficar constantemente se lembrando daquela aula de biologia da sexta série em que eu fui responder alguma coisa e minha voz saiu engraçada ou quando caí na escada do colégio no recreio e todo mundo riu e perder o sono remoendo como eu poderia ter respondido melhor à alguma provocação de quem sempre fazia piada comigo. (Se eu era tão inteligente, porque não consegui pensar numa resposta melhor?!)

Me lembro do exato momento, com tenros nove anos de idade, em que me dei conta de que não era como as outras garotas. Eu não era bonita, nem delicada, nem organizada. Nem magra. Eu era branquela demais, sardenta demais, falante demais e jogava videogame demais. Com nove anos eu decidi que eu “deveria fazer algo pra compensar” e comecei a querer aprender a cozinhar e passei a ler muitos livros, pra ter “alguma vantagem”.

Com nove anos eu entendi o que era rivalidade feminina e compactuei com isso, fiz parte disso.

As pessoas tem a tendência absurda de achar que é preciso ter vergonha de ter ostentado cabelos coloridos e piercings, visuais diferentes ou ter atendido por determinado apelido na adolescência. Eu tenho vergonha das coisas que eu falava, pensava, fazia.

E eu detestava você, Leontina.

Meus cabelos coloridos: azul, roxo, azul E roxo, rosa, verde (aos 28!)? Não, não. Disso eu tenho orgulho. Saudades de todos os piercings que já não estão mais aqui e ainda gosto de algumas roupas. Mas da raiva descabida que eu tinha de ter ver chegando na sala? Disso eu morro de vergonha, sempre vou morrer.

Porque você era linda mesmo. E inteligente. E gentil. E simpática. E estudiosa.
E eu não era. Nem poderia ser. Nós éramos diferentes demais.

Mas eu não precisava te detestar. Não deveria ter te detestado.
A verdade é que eu me roía de uma inveja que eu não precisava sentir e hoje penso que nós poderíamos ter sido amigas.

E por isso eu te peço desculpas, tantos anos depois. Mesmo que eu nem tenha mais contato com você - nem com quase ninguém do colégio -, mesmo que seu nome nem seja Leontina, mesmo que você nunca vá ler isso. Eu precisava desse ato egoísta catártico nessa manhã de 2016 às suas custas.

É uma pena que nunca tenhamos sido amigas, Leontina. Você parecia ser uma garota legal. Talvez eu precisasse olhar pra trás um dia e aprender essa lição. Talvez eu só fosse uma adolescente revoltada e feia mesmo.

Espero que você me perdoe por tudo, mesmo que você nunca nem tenha notado.
Espero que você esteja bem, que continue sendo linda, por dentro e por fora. Que esteja realizada, que esteja feliz e tenha amigos maravilhosos, como eu.

Att.,
Kevly.